Comida e memórias
Sou realmente uma pessoa que dá imenso valor á refeição, não apenas pela comida, mas ao momento partilhado. Gosto de comer, é um facto, contudo não é apenas isso. As minhas melhores e mais belas memórias são à volta de uma mesa ou numa cozinha. Sou filha e neta de cozinheiras, cresci na cozinha e inevitavelmente isso condiciona as minhas memórias. Da infância lembro-me: da bola de carne que a minha avó fazia em ocasiões especiais, os doces de natal, a lampreia (no inverno), o marisco (na páscoa), o farnel da ida a Fátima e do domingo das festas da aldeia e o cheiro da minha avó, a sabão rosa e a comida; aquele cheiro de amor que nunca se esquece.
Na semana passada o meu marido chegou a casa com um delicioso folar de Pão de Barrô, que me transportou de imediato para a peregrinação anual de maio feita a Fátima em família. Aquele sabor muito parecido com umas roscas que comprávamos entre Fátima e Aveiro, que comia ao longo de dias com manteiga e que era tão maravilhoso. Não apenas pelo sabor, mas porque era dos poucos momentos em que partilhava algo com a minha avó paterna, a minha madrinha e saía de casa, numa viagem. Adorava passar a noite acordada, ver o “muro de Berlim” e fazer uma espécie de campismo, sentia-me mesmo livre e rebelde. Comer aquele pão levou-me exatamente a reviver isso, a voltar a sentir a ingenuidade tola de uma miúda que, já na altura, não era religiosa, mas uma rapariga de família e de comida.
Atualmente gosto de cozinhar, gosto de receber, gosto de agradar quem recebo e adoro comer bem. No entanto, não é isso que marca, mas a convivência, a partilha do momento e da refeição, é uma prova de afeto cozinhar para alguém. Cá em casa recebíamos bastante, antes de março, a nossa casa era o nosso restaurante favorito e um dos mais frequentados da cidade. Não podendo receber passamos a criar os nossos momentos especiais, desde 13 de março de 2020. Quase todas as semanas, pelo menos uma vez por semana, é dia de jantar especial: banho tomado, roupa bonita, jantar completo (entrada, prato e sobremesa), um vinho ou uma cerveja artesanal, música ambiente e duas horas de conversa. Do melhor que há, criar momentos especiais em família em momentos tão solitários.